Ha dias, na América, os negros e os brancos amotinaram-se; houve mortos e houve feridos; correu o sangue pelas ruas.
Que disse a Europa sobre o caso? Pouco, muito, pouco; alguns telegramas lacônicos e nada mais.
Porque não falou ela; porque não se ocuparam os jornais do assunto e não patentearam aos povos de que lado estava a razão? Seria por alguns mortos e feridos a mais não merecerem a atenção de quem assistiu impassível a queda de 15 milhões de vidas, ou haverá conveniência em não e mexer na verdade?
O facto é que os negros vão dando que fazer aos americanos.
Ex-escravos, lançados em plena evolução da ciência, que neste ultimo seculo tem tomado um desenvolvimento colossal, os negros educaram-se, viram quão iniqua para eles era a sociedade americana, compreenderam os seus direitos, que são iguais aos dos brancos, e, enquanto não os alcançarem, os motins não cessarão e o sangue não deixara de correr pelas ruas.
Quem quiser compreender profundamente a situação dos negros americanos que repare na analogia tremenda da luta dos pretos espoliados dos seus direitos contra os brancos que lhos negam e a luta dos trabalhadores enganados contra a burguesia que os engana.
Analisando atentamente as revoltas atuais, vê-se que elas tendem para um esforço grandioso no sentido da Igualdade e da Justiça — ou nele degeneram. E a dos negros na América não fica por aqui.
A imprense burguesa da Europa não se referiu com mais largueza de vistas a esta questão, dando-lhe o aspeto de simples incidente, porque falar-se de pretos e de brancos implica falar-se de colonização, e colonização, até hoje, ainda não se pode traduzir senão por uma palavra — crime.
Os governos dum país civilizado, a título de exportarem a civilização para os povos selvagens, lavam-lhes o canhão que os mata e o comércio que os rouba. Se colonizar e isto, a colonização e indubitavelmente um crime.
Exterminar um povo, enfraquecê-lo e bestializá-lo com o álcool, obrigá-lo a crer num Deus inverosímil; fornicar-lhes as mulheres e as filhas; viciar o meio puro dos sertões: eis que tem sido a missão civilizadora da Europa, eis a sua cultura!
E (oh, ironia!) como é cômico ouvirmos falar do ilustre missionário, do distinto roceiro, da poderosa companhia, dos apóstolos da civilização!
Mas o verdadeiro tipo do colono hábil (segundo as folhas patrióticas cá da terra) e o português.
Ha perto de 500 anos que os portugueses se estabeleceram na áfrica e é ver como as colonias progridem! Que ação altamente benemérita! Os selvagens, se não sabem ler, sabem pelo menos ingerir decilitros de aguardente duma maneira assombrosa; se eram fortes e belos em virtude da vida livre e sadia das selvas, hoje estão completamente transformados porque a sífilis produto requintadíssimo da Europa de elite, já abunda por lá, transmutando os pobres negros em leprosos de valor, em farrapos civilizados.
Dos portugueses educados e instruídos como são, não se pode maneira alguma esperar os ideais dissolventes de Liberdade e de Amor.
É uma ilha vulgarmente conhecida pela Pérola do Atlântico a que mais fecunda gênio e de inteligência tem sido na atividade colonial. Essa ilha é S. Tomé, a colonia mais rendosa da nação.
Trabalham ali 60 mil negros importados de outras terras africanas. Na sua maioria são ignorantes; a média dos que sabem ler… mal deve ser coisa parecida com um por quatro ou cinco mil.
Onde esta aqui a ação civilizadora dos brancos? Sera nos 60 mil analfabetos? Deve ser com certeza. Mas está também nos castigos corporais; na comida deteriorada; no trabalho extenuante sob um sol que tudo queima e em plena humidade que tudo estraga; na escravidão hipócrita que se mantêm ainda; nos jogos malabares com os prazos dos contratos; nas mulheres prostituídas. Esta na parcialidade infamante da maioria dos curadores — enviados pelos governos para proteção dos trabalhadores que se banqueteiam nas roças, em banquetes dados pelos roceiros e pagos pela escravidão, pela dor de 60 mil almas. A civilização esta nos ordenados de dois e três escudos mensais, ordenados que voltam ao bolso do patrão nos lucros de bugigangas e aguardente que ele vende ao negro vicioso por sua culpa; esta nas perseguições movidas contra as vozes sinceras que pedem justiça!
Tem-se abafado, sonegado a verdade; mas ela estalara, dita não importa por quem, mal veja a luz do dia.
Eu clamo bem alto para que o povo me ouça; na Pérola do Atlântico, em S. Tomé — compreendem? — , cometem-se as mais atrozes barbaridades! Há indivíduos que se aproveitam da ignorância de 60 mil negros para imperarem como Neros, para enriquecerem a custo do sofrimento alheio! São esses que os jornais burgueses, numa aviltante adulação do oiro, honram com o título espalhafatoso de apóstolos da civilização. Porem eles não são mais do que ladrões, vulgares viminosos a solta!
Eu não dizia que falar de pretos e brancos implicava falar da colonização e que colonização significa crime?